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Opinião

Historiador afirma que intervenção militar não resolveria problemas do Brasil

A pedido do Portal da Cidade, o prof. Dr. Felipe Figueira esclarece porque os problemas históricos não seriam resolvidos com uma intervenção militar. Leia!

Publicado em 15/03/2021 às 23:17
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Felipe Figueira é licenciado em História e Pedagogia, e Bacharel em Direito. Mestre e Doutor em Educação. Pós-doutor em História. Professor do Instituto Federal do Paraná campus Paranavaí. Também é autor dos livros "Nietzsche e o eruditismo", "Entre médicos e imigrantes", "Travessias" e "Dom Quixote". (Foto: Acervo pessoal)

No último domingo (14) ocorreram manifestações favoráveis à intervenção militar no Brasil em várias cidades, inclusive, em Paranavaí. Por isso, a pedido do Portal da Cidade, o historiador Dr. Felipe Figueira, escreveu um artigo em que narra brevemente sobre a história do Brasil, discorrendo sobre os problemas históricos existentes no país, e explica porque pedir uma intervenção, atualmente, é uma postura frágil e infantil, na opinião dele. Leia o artigo completo e compreenda!


ARTIGO

Intervenção militar: problema ou solução?

Enquanto historiador, pergunto-me: quais os motivos para esse pedido? Se são atos espalhados, necessariamente existe alguma insatisfação que os une. Para compreender esse cenário é preciso um pouco de calma, e bastante estudo de história do Brasil. Para tanto, vamos a um pouco de história.

Didaticamente, o Brasil se divide em Colônia (1500 a 1822), Império (1822 a 1889) e República (1889 até hoje). Para efeitos deste texto, porém, cumpre destacar a questão militar brasileira, que realmente se profissionalizou após a Guerra do Paraguai (1864-1870), em que o Brasil saiu vencedor, junto com Argentina e Uruguai. Do século XIX para cá as Forças Armadas só ganharam poder e destaque, tanto que, nos idos de 1889, elas ajudaram a depor a Família Real, e Dom Pedro II se exilou na Europa.

Desde então o Brasil contou com vários governos militares. Ao todo, dez presidentes militares passaram pelo governo do país. É possível e preciso levantar a seguinte dúvida: se o Brasil possui tantos problemas, os militares, que por tanto tempo o governaram/governam, também não possuem responsabilidades? É certo que sim, pois economicamente, após o Brasil sair do período da Ditadura Militar, havia uma hiperinflação de mais de 200% ao ano, o que levou ao caos dos governos Sarney e Collor.

Antes de chegar ao desfecho deste texto, é importante ilustrar um pouco do que a Ditadura representou nas esferas econômica e social. Economicamente, houve um período chamado de “Milagre Econômico”, entre 1969 e 1973, onde o PIB cresceu, o Brasil ganhou a Copa do Mundo e houve construções faraônicas. Porém, a conta chegou e a inflação tornou-se altíssima. As consequências do “Milagre” foram o caos mencionado no parágrafo anterior.

Já no que diz respeito à parte social e jurídica, são conhecidas as restrições de liberdade dos Atos Institucionais. Ironicamente, os que hoje pedem intervenção militar, caso o país fosse uma ditadura, não teriam os direitos à liberdade de expressão e à reunião. Dentre os Atos Institucionais, o mais famoso foi o de número 5, que tinha as seguintes características: “O AI-5 suspendia a concessão de habeas corpus e as franquias constitucionais de liberdade de expressão e reunião, permitia demissões sumárias, cassações de mandatos e de direitos de cidadania, e determinava que o julgamento de crimes políticos fosse realizado por tribunais militares, sem direito a recurso.” (SCHWARCZ & STARLING, 2015, p. 455).

  1. Habeas corpus e franquias constitucionais de liberdade de expressão e reunião: tais institutos não dizem respeito a uma ou outra pessoa, mas a toda a coletividade. Absolutamente todo mundo pode ter o direito de locomoção violado. A quem diz que “sujeitos de bem” não sofrem as injustiças da lei e das autoridades é porque desconhece o caso concreto brasileiro.
  2. Demissões sumárias, cassações de mandatos e de direitos de cidadania: se hoje, com todo o respaldo jurídico existente, tantas vezes há inseguranças nas relações de trabalho, que apenas se imagine se o puro arbítrio fosse a lei e que os nossos governantes, a exemplo do prefeito de Paranavaí ou do presidente da República, pudessem ser cassados sem mais nem menos? De que valeria a voz do cidadão?
  3. Julgamento de crimes políticos em tribunais militares sem direito a recurso: o maniqueísmo de bem e mal, sempre perigoso, seria ainda mais daninho, pois a ampla defesa, o contraditório e o duplo grau de jurisdição (poder recorrer) seriam tolhidos. Que alguém imagine, também, o que seria se quem prendesse fosse, também, o promotor e o juiz?

Esticando  essa discussão, cabe trazer ainda dois aspectos que têm se agravado no Brasil: o negacionismo e a polarização política. O negacionismo diz respeito a inúmeras situações, que vão desde a recusa às vacinas, até à negação da ciência como um todo; a negação à democracia e ao ordenamento jurídico também são formas de negacionismo. A polarização política insiste no dualismo esquerda/direita, de modo a nivelar tudo por baixo; o culto a líderes/messianismo também é uma das faces da dicotomia bem/mal. Enquanto a crise pandêmica no Brasil se estende, deixando uma multidão de mortos, as discussões muitas vezes não buscam resolver a causa dos problemas, mas ficam na superfície.

Por fim, diante do que foi exposto, logo se vê que os problemas se multiplicariam diante de uma intervenção militar e, antes de resolver, o caos seria potencializado. A quem clama pela referida intervenção, certamente, possui angústias em relação a determinados problemas. Esses problemas são históricos, atravessam inúmeros governos, militares ou não, e continuarão a bater na porta dos brasileiros. Porém, nem por isso a solução correta é a intervenção militar.

Essa postura, frágil e infantil, precisa ser abandonada. Frágil porque carece de fundamentos históricos, econômicos, jurídicos; e infantil porque busca delegar aos outros uma responsabilidade que cabe a todos. É preciso uma postura de responsabilidade pelo mundo, do contrário, os problemas sempre se multiplicarão.


Sobre o autor

Felipe Figueira é licenciado em História e Pedagogia, e Bacharel em Direito. Mestre e Doutor em Educação. Pós-doutor em História. Professor do Instituto Federal do Paraná campus Paranavaí. Também é autor dos livros "Nietzsche e o eruditismo", "Entre médicos e imigrantes", "Travessias" e "Dom Quixote".

Referências: Lilia M. Schwarcz & Heloisa M. Starling. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

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