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LUZ, CÂMERA, AÇÃO

Gosta de cinema? Confira a resenha da animação japonesa "Princesa Mononoke"

Nesta edição do quadro "Luz, Câmera, Ação", o escritor Felipe Figueira traz a história produzida pelo renomado Studio Ghibli.

Publicado em 17/03/2024 às 13:00
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(Foto: Reprodução )

Depois que terminei de assistir à animação japonesa “Princesa Mononoke”, de Hayao Miyazaki, produzida pelo Studio Ghibli, fiquei com um forte mal-estar, porque o tema do filme – meio-ambiente – é tratado com uma seriedade pouco vista em outros filmes. Por mais belo que seja a obra, dos diálogos aos desenhos, o que se visualiza é algo feio e bárbaro: a luta cruel do ser humano para dominar e destruir a natureza, das florestas aos animais.

No início da película, príncipe Ashitaka luta contra um deus javali amaldiçoado que queria devastar a sua vida. Mas, por que o javali havia se convertido em um monstro? Por que ele tomou uma forma demoníaca? Porque, na luta do ser humano contra a natureza, o deus javali fora gravemente ferido por uma bala de mosquete e o sentido de sua curta e miserável vida passou a ser destruir os humanos que encontrasse. Para defender a sua aldeia, o príncipe matou o javali, mas, por ter encostado nele, é amaldiçoado. A forma de se livrar da maldição é seguir para o oeste atrás da cura. É nesse momento que começa a jornada do herói, até o ponto em que encontrará duas fortes mulheres, Lady Eboshi e princesa Mononoke.

Uma das características do filme de Miyazaki é que as mulheres são fortes e independentes. É o que se vê, por exemplo, em “A Viagem de Chihiro” e “O Castelo Animado”. No caso de Lady Eboshi, ela quer a todo custo destruir a natureza e Shishigami, o espírito da floresta, e declara que a arma é o “deus da morte” e que com “o fim da floresta e dos lobos, esta será uma terra de riquezas”. Em um diálogo com Lady Eboshi, dirá Ashitaka a respeito da sua busca pela cura: “Verei com os olhos do coração e então me decidirei”. Para quem conhece a fundo a obra de Miyazaki sabe que o cineasta japonês é um admirador de Antoine de Saint-Exupéry, que, em “O Pequeno Príncipe”, escreveu: “Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos.”

Se há uma mulher pronta para tudo destruir, há outra para defender o meio-ambiente: Princesa Mononoke. Ela cresceu com lobos e gostava mais deles do que dos humanos. O sonho da garota, na verdade, toda a sua meta, era matar Lady Eboshi. Pode soar cruel esse intuito, mas, sob a beleza do filme, soa como natural e até mesmo desejável. Nos termos de Ailton Krenak, em “Ideias para adiar o fim do mundo”, a princesa assemelha-se um “paraquedas colorido”, isto é, alguém que visa retardar a catástrofe.

Pelo contraponto apresentado, Lady Eboshi versus Princesa Mononoke, se vê e se sente que a temática do filme é grave. A cada segundo do filme, a morte pulula em toda a sua brutalidade por meio de armas, perseguições, incêndios, sangue, membros decepados e por meio das próprias mortes. O fim dos orgulhosos javalis, que se dá no contexto da preservação da natureza, é triste. A vontade que dá é de chorar, ainda mais porque tudo o que é dito de forma poética no filme é uma metáfora acerca da destruição feita pelo ser humano para com a natureza: o fogo pode até ter a sua beleza, mas, o seu fim é trágico e cinzento. O diálogo entre Ashitaka e Moro, um lobo que adotou Mononoke, é paradigmático:

Príncipe: Lorde Okkoto e os javalis já avançaram?

Moro: Já estão marchando. As árvores gritam ao morrerem... Mas você não consegue ouvir. Fico aqui, ouvindo a dor da floresta e sinto a dor da bala no meu peito e sonho com o dia que devorarei aquela mulher com minhas presas.

Príncipe: Moro, por que os humanos e a floresta não vivem em paz? Não podemos impedir a guerra?

Moro: Os humanos estão se unindo para a batalha final. Não estamos a salvo, nem mesmo aqui.

“Princesa Mononoke” é uma animação que serve a todos os públicos. Quanto às crianças e aos adolescentes, para que possam perceber o quão é importante uma vida em harmonia com a natureza: para que a destruir? Quanto aos adultos, trata-se de ver, em sua dimensão mais dura, o mal que é destruir o que é natural. Goethe, em “Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister”, constrói o Livro VI acerca da “bela alma”, que é alguém que busca se harmonizar com a natureza e com Deus. Analogamente, é possível dizer que também Miyazaki busca promover uma “bela alma”, que se harmoniza com a natureza e com toda a vida que a envolve, representada por Shishigami, o espírito da floresta.


"Princesa Mononoke" está disponível na Netflix. Tempo de duração: 2h14. Classificação indicativa: livre.

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