A perita criminal Patrícia Doubas Cancelier, da Polícia
Científica do Paraná, passou sete dias na linha de frente da identificação dos
corpos resgatados no mar de lama e rejeitos em Brumadinho, Minas Gerais. Ela
integrou uma força-tarefa paranaense que incluiu a geóloga Fabiane Acordes,
dois agentes da Defesa Civil, bombeiros, viaturas e cães farejadores. O Paraná foi um dos
primeiros estados a prestar apoio técnico e operacional para mitigar as
consequências da tragédia que sacudiu o país.
Patrícia fez parte da equipe de peritos criminais que
atendeu os primeiros dias do local do desastre. Todos os corpos e fragmentos de
corpos retirados na primeira semana de trabalho passaram pelas mãos desta
equipe, que foi sendo substituída por outros peritos na sequência.
O trabalho consistia no tratamento adequado dos corpos e
vestígios que do entorno. Toda a documentação inicial tem início já nesta fase
e se baseia em protocolos internacionais, cujo objetivo final é poupar tempo de
trabalho na identificação realizada dentro do Instituto Médico-Legal (IML). O
corpo é fotografado, há um croqui e todos os vestígios são devidamente
documentados.
Ao mesmo tempo, os agentes da Defesa Civil participaram das
reuniões estratégicas com os demais órgãos de investigação e resposta rápida e
os bombeiros do Grupo de Operações de Socorro Tático (Gost), também do Paraná,
apoiaram as equipes de busca ativa (aérea e terrestre), mapeamento dos locais
das vítimas e intervenção direta para o recolhimento dos corpos. Uma equipe de
bombeiros paranaenses segue em Brumadinho.
Segundo a perita, os principais obstáculos na operação
montada em Minas Gerais foram a violência do impacto da lama sobre as vítimas e
as dificuldades de resgate em função do volume de rejeitos sobre área muito
extensa. Mesmo diante desses complicadores, Patrícia elogiou os protocolos de
segurança seguidos pela força-tarefa interestadual e a estrutura disponibilizada
para atendimento das famílias no IML, em respeito ao luto que cobriu a região.
De volta ao Paraná, a especialista considera que os
protocolos do Estado num possível enfrentamento já estão de acordo com padrões
internacionais e garante que todas as estruturas de segurança, prevenção e ação
emergencial já estão conectadas há mais de cinco anos. Essa interligação
começou a ser construída na instalação da Comissão de Identificação de Vítimas
de Desastres do Paraná, da Polícia Científica, em 2013.
O governador Carlos Massa Ratinho Junior também solicitou
que o Sistema Meteorológico do Paraná (Simepar) avalie a situação das 461
barragens existentes no território paranaense. Os trabalhos são monitorados
pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Sustentável e Turismo.
Segundo o último balanço divulgado pela Defesa Civil de
Minas Gerais, a tragédia de Brumadinho já soma 166 mortos (160 identificados) e
155 desaparecidos.
Confira trechos da entrevista com a perita criminal Patrícia
Doubas Cancelier, da Polícia Científica do Paraná.
Como foi a integração das forças do Paraná em Brumadinho?
Fui requisitada para compor uma das equipes da Polícia Federal que trabalhou na
identificação das vítimas, então o Paraná cedeu a minha força de trabalho para
atuar no local do desastre. Fui para uma missão de sete dias e agora uma nova
equipe chegou ao local. Eu já colaborava com a Polícia Federal em um grupo
chamado DVI (Disaster Victim Identification – ou Identificação de Vítimas de
Desastres) desde que ajudei a escrever o Manual de Perícias em Situações de
Desastres em Massa da Polícia Federal.
Em que consistia o seu trabalho?
O órgão responsável pela identificação das vítimas da tragédia é a Polícia
Civil de Minas Gerais. Mas vários estados e a Polícia Federal colaboraram com
esse grupo. O trabalho de identificação é bastante extenso. Primeiro, há a fase
de campo. A perícia precisa trabalhar ao lado do Corpo de Bombeiros para
processar de maneira adequada os vestígios que possam levar ao reconhecimento.
O protocolo de busca e recuperação de corpos da Interpol prevê que sejam
tiradas uma série de fotos mínimas já no local, que seja elaborado um croqui da
região onde o corpo foi encontrado e que os vestígios sejam direcionados de
maneira adequada. Feito o trabalho inicial, os corpos, vestígios e documentos
de busca e recuperação embarcaram nos rabecões até o IML de Belo Horizonte. No
IML os corpos foram necropsiados. Além disso são extraídas informações como
impressões digitais, coletadas amostras de DNA, e é realizado um exame
odontológico minucioso da arcada dentária. Em paralelo, foram realizadas
entrevistas junto aos familiares no intuito de colher informações que possam
ser confrontadas de maneira lógica. O trabalho é concluído com a identificação
da vítima e a entrega do corpo aos familiares.
Quais as principais dificuldades dessa operação?
Do ponto de vista da identificação humana esse foi um desastre bastante
complexo pelo número de vítimas e pelo grau de fragmentação de alguns corpos.
Além disso, o processo de identificação foi se dificultando ao longo do tempo
pela demora na retirada das vítimas. Pela perícia, o número de corpos pode
ultrapassar o número de vítimas porque os peritos contam uma parte do corpo,
por exemplo, como uma vítima. Isso multiplica o número de exames, gerando uma
complicação a mais na identificação humana. Além disso, o volume de lama é
muito grande em uma área muito extensa, então faltam meses de trabalho para a
retirada de todos os corpos.
Dá para apontar uma principal causa das mortes?
Até agora, a principal causa mortis é o politraumatismo. Isso mostra que a onda
de lama teve um impacto muito grande sobre as vítimas. Algumas foram
encontradas sem roupas, o que mostra essa violência. Algumas tentaram se
esconder em um contêiner e ele foi encontrado todo retorcido. Por isso foi
fundamental uma resposta rápida e técnica.
O que o Paraná tira de lição dessa tragédia?
O incidente de Brumadinho mostrou que a colaboração das partes técnicas é
fundamental. Ele também mostrou que os protocolos que já tínhamos funcionam.
Agora a intenção é aprimorar ainda mais os protocolos. As equipes têm tido
muito sucesso na identificação das vítimas. Isso é importante para mitigar o
sofrimento das famílias. Nós queremos assinar termos de compromisso com outros
órgãos para ampliar essa cobertura no Estado do Paraná.