O crescimento das estatísticas de atos e tentativas de
suicídio e autolesão nos últimos anos coincidiu com o crescimento do uso de
tecnologias digitais como smartphones, computadores e acesso à internet. Os
indícios de possíveis prejuízos à saúde mental de crianças e jovens pela forte
inclusão desses equipamentos ao cotidiano de meninos e meninas motivaram muitos
pesquisadores a buscar a existência de uma relação direta entre um fenômeno e
outro.
Anualmente, estima-se que mais de 800 mil pessoas morrem no
mundo por suicídio, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Entre os
jovens de 15 a 29 anos, é a segunda principal causa de morte. No Brasil, entre
2011 e 2016, observou-se aumento dos casos notificados de lesão autoprovocada
nos sexos feminino e masculino de 209,5% e 194,7%, respectivamente.
Estudos internacionais relacionando o uso massivo de
tecnologias e o aumento de relatos de problemas de saúde mental nos últimos
anos levantaram mais reflexões do que certezas.
Parte das pesquisas identificou riscos no uso de tecnologias
digitais, especialmente de maneira intensa. No âmbito dos impactos mais gerais
na saúde mental, artigo de acadêmicos da Universidade de San Diego, nos
Estados Unidos, publicado neste ano, sinalizou que adolescentes mais expostos
aos dispositivos eletrônicos (como computador, celulares e vídeo-games) manifestaram menores níveis de autoestima, satisfação com a
vida e felicidade.
Na relação entre hábitos de consumo de dispositivos técnicos
e comportamento suicida, também há pesquisas indicando possível vínculo entre
essas duas condutas. Estudo realizado por pesquisadores
da Universidade de Oxford, publicado no ano passado, mapeou trabalhos
acadêmicos e levantamentos focados em identificar o estímulo a práticas de
autolesão por diversas formas de atividades online, como navegação em geral,
tempo gasto em redes sociais, tratamento de saúde pela web, visitação de sites
sobre suicídio, compartilhamento de imagens e vídeos sobre a prática e textos
divulgados em blogs.
“A relação entre uso da internet e comportamento suicida e
de autolesão foi particularmente associado ao vício no acesso a essa
tecnologia, altos índices de navegação e contato com sites onde havia conteúdo
relacionado ao tema”, afirmaram os pesquisadores no artigo.
Cyberbullying
Pesquisadores da Universidade de Swansea, no Reino Unido,
investigaram o estímulo a esses comportamentos a partir de práticas de
constrangimento e assédio contra jovens em redes sociais e usando tecnologias,
chamadas em inglês de cyberbullying. Em trabalho publicado
neste ano, a equipe encontrou evidências de influências negativas em 75%
dos 33 estudos acadêmicos analisados. A partir dos diversos artigos, os autores
chegaram a um índice segundo o qual vítimas de cyberbullying teriam 2,1 chances
de exibir um comportamento suicida e 2,6 vezes mais chances de cometer algum
ato no sentido de tirar a própria vida.
Na avaliação dos pesquisadores, a possibilidade de assédio
por meio de comunicações eletrônicas mudou a forma dessa prática. “Indivíduos
que, no mundo não virtual, tinham poucas chances de serem vitimizados à medida
que tinham condição de responder em pessoa podem estar mais vulneráveis online
onde os perpetradores podem não estar identificados e ficam encorajados de uma
maneira que não estariam no contato face a face”, comentam no texto.
Impactos positivos
Contudo, há também diversos estudos que identificam efeitos
positivos do uso de dispositivos eletrônicos no combate e na prevenção de
condutas suicidas. Trabalhos acadêmicos indicaram distintos recursos
tecnológicos que podem auxiliar pessoas nessas situações, como fóruns de
discussão, tratamentos online e busca de informações na internet.
Investigadores da Universidade de Melbourne, na Austrália,
criaram um sistema de monitoramento de sintomas de depressão e o aplicaram a
pacientes. Os resultados do teste, publicados em 2014, registraram que a
ferramenta foi aprovada em entrevistas como uma alternativa para compreender
melhor os sintomas e fazer com que os pacientes se sentissem com mais controle
sobre a situação. Os autores defenderam esse tipo de recurso técnico como uma
forma de apoiar pacientes com problemas.
Pesquisadores da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos,
criaram um serviço de apoio a pessoas com risco de depressão pela internet. No
trabalho com os resultados
do experimento, publicado em 2013, eles registraram que após um ano de
funcionamento, o percentual de entrevistados que mencionaram pensamentos de
autolesão caiu de 14,46% para 4,82%.
Estudo realizado na Universidade de Dalhousie, no
Canadá, identificou um crescimento de 200% entre 2006 e 2010 na
atividade online, como procura por informações em sites de busca,
relacionadas a depressão e condutas suicidas. Entre os adultos, o tempo gasto
online foi voltado a encontrar tratamentos. Já entre jovens, os fóruns online e
redes sociais foram usados como ambientes de troca de informações e apoio a
partir do compartilhamento de histórias pessoais.