Dois Jornalistas brasileiros, Cristina Tardáguila (da
Agência Lupa) e Chico Otávio (do jornal O Globo), acabaram de lança o livro “Você
foi Enganado”, que traz as principais mentiras contadas aos brasileiros nos últimos
100 anos, por presidentes de diversas ideologias. Algumas mentiras não podiam
ser desmentidas ou circularam tanto que tiveram alguma veracidade à época.
A ideia de fazer o livro, lançado pela editora Intrínseca,
surgiu quando Cristina visitou nos Estados Unidos a redação do site Politfact
e viu pendurado na parede um pôster com “grandes besteiras ditas por
presidentes americanos”. Ela achou uma grande sacada e comparou, antes de
convidar Chico Otávio para a empreitada: “A gente tem um acervo mais
bacana que eles”.
A seguir principais trechos da entrevista dos dois autores
à Agência Brasil.
Como fizeram para selecionar as mentiras?
Cristina Tardáguila - Quando começamos a trabalhar, eu
queria abarcar o máximo possível de mentiras, o máximo possível de
presidentes... Entrou aí a visão estratégica da editora de fechar em recortes.
Decidimos que não podia faltar, de forma nenhuma, da redemocratização pra cá.
Mas não dá para falar que a mentira começou da redemocratização pra cá, e nem
dá para dizer que é algo só de presidentes eleitos [pelo voto direto]. Assim,
decidimos ampliar a pesquisa para os ditadores, para os militares. Aí, o Chico
[Otávio] entrou no projeto, com todo conhecimento que tem sobre a ditadura
militar. Ficamos com vontade de levar até mais longe, pensamos em fazer desde a
República Velha. Mas o recorte definitivo acabou sendo os últimos 100 anos, de
Artur Bernardes para cá.
As mentiras ditas na ditadura eram muito
diferentes das mentiras após a redemocratização?
Chico Otávio - Mentir na ditadura é mais fácil. Ela
pode ser mais grotesca porque ninguém vai contestar. A mentira na ditadura é
mais descarada porque não tem o contraditório. As vozes estão caladas. Então, é
fácil mentir. Eram muito mais toscas, muito mais escancaradas, sem a menor
preocupação com algum tipo de justificativa. Hoje, são mais disfarçadas,
mais camufladas, mais difíceis de se camuflar.
A mentira na política é universal? É
própria de regimes políticos modernos?
Cristina Tardáguila - Não precisa nem ser checadora para
dizer isso: a mentira não respeita sexo, mentem homens e mulheres. Ela não
respeita partidos políticos, não tem nada a ver ser de centro, de esquerda e de
direita. Não tem nada a ver com idade, ou seja, jovens e velhos mentem. Ela não
tem nada a ver com passaporte, a nacionalidade. Mentem os argentinos, os
espanhóis, os italianos, os americanos. Mentem os asiáticos. Mentem os
africanos. Não tem nada a ver com raça, com sexo, com posicionamento político.
A mentira é completamente intrínseca à política, e ela não é nova.
Chico Otávio – Na noite de lançamento do livro, nos
perguntaram sobre a validade da mentira para determinadas situações. “Será que
a mentira se justificaria em determinados momentos?”. Até Platão citaram...
Acho que o papel do repórter é enfrentar a mentira a todo custo.
É possível fazer uma tipologia das
mentiras, e indicar aquelas que mais facilmente colam?
Chico Otávio – Não existe uma regra para graduar a
mentira. Quanto maior e mais sofisticada, maior é o desafio do jornalismo para
desmontá-la. Eu cubro a [operação] Lava-Jato há algum tempo. São crimes
sofisticados, calcados em mentiras que a gente tem que desconstruir. Mentiras
que envolvem advogados muito preparados, operadores financeiros experientes.
Isso é uma mentira bem estruturada que a gente tem que fazer um tremendo
esforço para desconstruir
Nesses tempos de notícias falsas, é mais
fácil uma mentira colar no Brasil do que em sociedades mais letradas, com
melhores índices de leitura?
Cristina Tardáguila – A notícia falsa não dialoga com
seu lado racional. Ela não dialoga com o que você conhece de forma estruturada.
Vai dialogar com suas crenças, com seus desejos e com os seus gostos. Sai do
nível racional, vai para o nível do emotivo e isso não tem nada a ver com
instrução. É claro que as pessoas mais educadas têm mais capacidade de duvidar
do que os iletrados. Mas a conexão da notícia falsa com esse mundo irracional,
de fundo emocional, é aquilo que mais põe dificuldade para combate-la.
Os serviços de checagem dos jornalistas
atrapalham as mentiras?
Cristina Tardáguila – O mundo da checagem se divide em
dois. Um é o grupo do fact checking, que verifica o que o político diz, e dá um
falso nele. O outro lado é esse chorume da internet que você não sabe bem quem
falou. São imagens e informações truncadas. No dia que o [Jair] Bolsonaro
sofreu a facada, duas imagens falsas circularam na internet. Em uma, colocaram
o Adélio [Bispo de Oliveira, autor do atentado,] em uma passeata do PT. E em
outra tinha o Bolsonaro caminhando e sorrindo em um hospital de Juiz de Fora.
As duas informações são falsas. A gente fez 35 checagens nesse dia, marcando
que essas imagens eram falsas, e em 72 horas quinze delas haviam sido retiradas.
Tem impacto, inegavelmente. Poderia ter mais, sim.
Estamos ouvindo muita mentira nessa
campanha eleitoral?
Chico Otávio – Salvo engano, a mentira perdeu a força.
Ela migrou da boca dos candidatos para as redes sociais para esse trabalho meio
clandestino de contrainformação. Eu percebo o uso da mentira nas redes sociais
como um instrumento de contrainformação. Com relação aquilo que é dito pelos
candidatos, acho que eles estão mais tímidos porque eles sabem que os
instrumentos de checagem estão muito fortes. Eles têm redobrado o cuidado com
os discursos, nos debates e nos palanques.