Seja quem for o próximo presidente do Brasil, uma coisa
parece certa a esta altura: irá conviver com um aumento constante da dívida
pública. Conforme projeção do Tesouro Nacional para investidores, a proporção
do endividamento passará dos atuais 75,7% do Produto Interno Bruto (PIB) para
82% em 2022, último ano do mandato. Mesmo que o próximo mandatário venha a ser
reeleito, só verá a dívida cair em 2025 – terceiro ano de um hipotético
segundo mandato.
A visão do Tesouro é compartilhada por economistas de
matizes diferentes, dentro e fora do governo. Especialistas em economia acrescentam
que a alta da dívida acompanhará o próximo presidente mesmo com ajuste fiscal.
“Nós temos no momento um quadro em que a dívida pública se
encontra em elevação, e tende a se manter nessa trajetória mesmo diante de um
esforço fiscal que o governo venha a fazer no sentido de reduzir despesas e
aumentar receitas”, alerta o diretor-adjunto de Estudos e Políticas
Macroeconômicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marco
Cavalcanti.
“Não existe mágica a ser feita aqui. Temos uma dívida alta.
Essa dívida gera uma necessidade de pagamento de juros. Além disso, há o déficit primário que não consegue reduzir a zero ou
tornar superavitário em pouco tempo”, acrescenta o pesquisador do Ipea. O
déficit primário é o resultado negativo das contas do governo desconsiderando o
pagamento dos juros da dívida pública.
Cenários
O Ministério do Planejamento Desenvolvimento e Gestão desenhou dois cenários fiscais. Em ambos, a diferença entre
as receitas e despesas do setor público seguem negativas nos próximos anos.
Enquanto as contas públicas estiverem vermelhas, a dívida federal seguirá
pressionada.
No primeiro cenário, são adotadas “algumas reformas
estruturantes que viabilizam o equilíbrio fiscal de longo prazo”. Nessas
condições, as contas públicas ficam negativas até 2022. No segundo cenário,
além das reformas estruturantes, estão em vigor “reformas microeconômicas que
elevam o potencial de crescimento” e assim o resultado primário torna-se
positivo um ano antes (2021).
O caminho poderá ser mais longo e tortuoso sem crescimento
econômico. “Indicador de atividade econômica mais baixo afeta a trajetória da
dívida”, resume Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal
Independente, do Senado Federal. O retrospecto recente dos dados do Tesouro e
do IBGE evidenciam que a dívida pública começou a subir quando a economia
perdeu força, a partir de 2014.
“Só é possível pensar na estabilização da dívida pública
brasileira com a retomada do crescimento. [Também] não há possibilidade de
estabilizar o déficit público com a queda do PIB”, aponta Pedro Rossi,
professor do Instituto de Economia da Unicamp.
Vilma Pinto, pesquisadora da área de Economia Aplicada da
FGV-IBRE, mostra como o quadro de piora da economia repercute na deterioração
fiscal. Ela analisa a última década da economia e aponta que entre 2008 (ano da
crise financeira internacional) e 2018, “houve queda de 2,5 pontos percentuais
das receitas primárias e aumento de 3,2 pontos percentuais nas despesas
primárias. O saldo líquido é uma piora de 5,7 pontos percentuais do PIB”.
Repercussão política
Para Carlos Ranulfo, professor titular do Departamento de
Ciência Política da UFMG, a situação fiscal será um grande desafio para o
próximo presidente da República. Ao buscar a retomada do crescimento, o novo
governo não poderá criar mais déficit.
Em sua opinião, além do PIB baixo, o eleito em outubro de
2018 sofrerá com assédio dispendioso de um futuro Congresso “muito pragmático e
muito clientelista”. O Poder Legislativo é, tradicionalmente, um foco de
pressão por gastos públicos, já que tenta atender as diversas demandas, muitas
delas corporativistas, de grupos de eleitores.
O cientista político avalia que, durante a campanha, a
situação da dívida poderá favorecer candidatos que tenham uma performance mais
fiscalista e falas que sensibilizem o mercado financeiro - que quer
estabilização das contas públicas. Esse perfil, no entanto, não costuma ser
popular entre os eleitores. “Ninguém faz campanha vendendo cautela, mas
vendendo esperança”, comenta.
Entre discursos prudentes e falas espontâneas que despertem
expectativas de melhora imediata da situação fiscal, o economista José Márcio
Camargo (PUC-RJ) teme anúncios de calotes da dívida pública e promessas não
detalhadas de limitação de gastos com a dívida.
“Não vejo problema em limitar a dívida, desde que diga o que
vai fazer com o que sobrar”, assinala. “Suponha que o tal limite estabeleça que
o governo só pode pagar um déficit do PIB de até 4%. Suponha que o déficit
real, porém, tenha sido de 8%. Como vai ser coberta essa diferença? Vai ser
coberta com emissão de moeda? Isso significa inflação. Vai ser coberta com a
redução da despesa? Ou vai ser coberto via aumento de impostos?”, indaga.