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LUZ, CÂMERA, AÇÃO

Gosta de cinema? Leia a resenha de "Morangos Silvestres"

Nesta edição do quadro "Luz, Câmera, Ação", o escritor Felipe Figueira traz um clássico do cineasta sueco Ingmar Bergman.

Publicado em 05/05/2024 às 15:20
Atualizado em

(Foto: Reprodução)

Nesta edição do quadro "Luz, Câmera, Ação", o professor e escritor Felipe Figueira fala sobre o filme "Morangos Silvestres".


Por Felipe Figueira

“Morangos Silvestres” (1957), de Ingmar Bergman, é um clássico do cinema que traz como enredo a vida do professor Isak Borg (Victor Sjöström), um médico e professor consagrado que receberá o Título Honorário na Catedral de Lund, na Suécia. Porém, longe de ser um filme sobre glórias, é um drama que se inicia com as seguintes palavras do professor: “Nossa relação com as pessoas consiste em discutir com elas e criticá-las. Foi isso que me afastou, por vontade própria, de toda minha vida social. Isso tornou minha velhice solitária. Sempre trabalhei muito, e sou grato por isso. Comecei a trabalhar para sobreviver e acabei amando a ciência.”

Professor Borg ia de avião a Lund, mas, após um estranho sonho em que se via caindo de uma urna funerária, decide ir de carro. A ex-nora, Marianne (Ingrid Thulin), que estava em sua casa, pede carona e os dois seguem rumo à cidade da homenagem, que ficava a várias horas de Estocolmo. O carro do médico era enorme, mas, aos poucos, vai sendo ocupado até que, por um curto trecho, contava com sete pessoas.

Uma característica especial de Bergman é que ele gostava de trabalhar com os mesmos atores e os nomes dos personagens se repetem em diversas películas. Dentre os “atores bergmanianos” estão: Ingrid Thulin, Gunnar Björnstrand, Max von Sydow e Bibi Andersson; e dentro os nomes dos personagens estão: Karin, Marianne e Alma. Outra peculiaridade de Bergman, o “cineasta da alma”, é que ele não poupa o telespectador de temas como a descrença em Deus, os conflitos familiares, a solidão e a morte. Tudo é trabalhado poeticamente, mas, com uma força capaz de cortar qualquer espírito.

Ao longo da viagem, há um momento de especial dureza, em que o professor e a ex-nora travam um diálogo direto:

“- O que tem contra mim?

- Quer uma resposta sincera?

- Quero.

- É um velho egoísta. Não tem consideração e só ouve a si mesmo. Mas esconde bem isso atrás de sua civilidade e seu charme. Mas é egoísta apesar de ser chamado de grande amigo da humanidade.”

Soa estranho esse tipo de conversa? Na vida real, certamente que sim, mas, no universo de Bergman é natural, pois não há tolerância para hipocrisias, para deixar os sentimentos de lado. Na verdade, os sentimentos podem até ficar de lado, mas, como estratégia para revelar a condição humana. “Persona” (1966), por exemplo, é um filme de Bergman em que uma das protagonistas, Elisabet Vogler (Liv Ullmann), depois de se submeter a tudo e a todos, tem um choque e se cala.

Conforme dito, a viagem do médico é longa e nela as pessoas pedem carona e são recebidas, mas, além de pessoas, a vida do professor é remexida, a ponto de ele voltar à casa de veraneio em que passara a infância e a adolescência e se lembrar dos morangos silvestres que comia. Quanto amargor vem à superfície, quanta mudança de rotas o jovem tem que passar.

Uma das belezas do filme é que ele começa árido, mas, conforme a jornada se estende, a relação dele com Marianne melhora. Há momentos de descontração e risadas que fazem mudar a imagem de um velho de 78 anos insensível. A viagem intensa foi capaz de mudar o célebre professor, em parte por causa da presença dos jovens que pediram carona, Sara (Bibi Andersson), Anders (Folke Sundquist) e Victor (Björn Bjelfvenstam). E qual o final de “Morangos Silvestres”? Em síntese, a exemplo da obra “Odisseia”, de Homero, a grande graça está na viagem pela alma de Isak Borg, cujas iniciais são as mesmas de Ingmar Bergman.


Onde assistir? Youtube. Tempo de duração: 1h31 minutos. Classificação indicativa: 10 anos.



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