O termo maternidade real tem ganhado cada dia mais evidência depois que muitas mães “comuns” e também algumas celebridades decidiram expor suas experiências maternas nas redes sociais. O que antes era romantizado, passou a ser visto de uma perspectiva bem mais realista, que engloba momentos de amor e muita alegria com outros de dor e insegurança.
Isso porque, a chegada do bebê traz junto consigo diversas responsabilidades, uma nova rotina, adaptação, um corpo que nem sempre reconhece no espelho, entre tantas outras angústias.
Foi para falar um pouco mais sobre
essa experiência muitas vezes confusa e, ao mesmo tempo, maravilhosa, que o
Portal da Cidade conversou com a psicóloga Thaís Gimenes, da Psicomadre –
Psicologia da Perinatalidade e Parentalidade e Educadora Parental em Disciplina
Positiva.
Confira a seguir a entrevista
completa:
PC
– As pessoas estão passando a tratar a maternidade de uma forma menos
romantizada e mais realista. O que as novas e experientes mães tem a ganhar com
isso?
Dá para perceber que existe um movimento partindo das
próprias mulheres, questionando alguns padrões da sociedade. Passamos por uma
mudança cultural e social: antigamente as mulheres de uma mesma família ou
bairro se uniam pra cuidar dos bebês e das puérperas e hoje vemos mudanças
estruturais nas famílias, e a maioria das mulheres não conta mais com uma rede
de apoio.
Esse movimento de “desromantização” da maternidade soa como
um pedido de socorro. E é justo com as mulheres que elas deixem de ser
comparadas com a imagem sacro santa de mulher que não sofre. A maternidade está
cada vez mais solitária por conta das mudanças sociais, e é exaustivo demais
para a maioria das mulheres cuidar de um bebê sozinho ou educar uma criança.
Nenhuma mãe deveria ser a única responsável por cuidar de um bebê. É preciso um
bocado de coragem pra assumir que a maternidade não é um mar de rosas e dizer
isso - poder ser escutada sem ser julgada - é terapêutico. Quando uma mulher
ouve de outra suas dificuldades em maternar, ela se sente validada, sente que
não está sozinha, que não é a única. Poder partilhar as dores e delícias da
maternidade fortalece as mães e as ajuda a ter coragem de chamar os pais para
dividirem os cuidados com os filhos.
Na maternidade real (que é bem diferente da maternidade
idealizada durante a gestação), mulheres reais estão lidando com bebês reais e
não com os bebês que foram idealizados. Os bebês reais, exatamente por serem
reais fazem emergir nas mães sentimentos que são tidos como não aceitos na
sociedade: medo, tristeza, raiva, angústia, ansiedade. Não saber que esses sentimentos
veem juntos com o bebê acarreta na famosa culpa materna e, quanto mais as
mulheres souberem que é natural sentir tudo isso, mais leve a maternidade se
torna. Tanto as mulheres que ainda não são mães como as que já experimentaram
esses sentimentos saem ganhando, se sentem acolhidas e fortalecidas com esse
movimento.
PC - Culpa e maternidade são companheiras quase inseparáveis ao longo da história. O desejo do parto perfeito, a amamentação sem dor, a recuperação da antiga forma física. Ideais que, para muitas mulheres, são inatingíveis. Esse sentimento de frustração, por não conseguirem atingir o padrão de maternidade que projetaram, leva algumas mulheres a desenvolverem transtornos de ansiedade, estresse e até depressão. O que você tem a dizer sobre isso?
Sobre a ansiedade e estresse é comum que eles apareçam em
algum momento no ciclo gravídico puerperal (gestação, parto e puerpério). É bem
mais frequente nas mães de primeira viagem, por não saberem o que esperar, pela
incerteza se serão boas mães, medo do parto, da amamentação, da educação, se
darão conta financeiramente, e por aí vai. Mas não é incomum nas mães de
segunda, terceira ou mais viagens.
O estresse ou ansiedade pode ser uma porta de entrada de
problemas de saúde física nas mulheres, pois libera o cortisol, que é um
hormônio conhecido como hormônio do estresse. A taxa elevada de cortisol
durante a gestação chega ao bebê via cordão umbilical. Ansiedade e estresse
excessivos na gestação estão associados a nascimento prematuro, baixo peso em bebês,
bebês que choram demasiadamente e uma chance maior de adoecimento psíquico em
outras etapas do desenvolvimento.
É importante que a gestante faça acompanhamento psicológico
durante a gestação quando apresenta um quadro de ansiedade acima do esperado para
garantir sua saúde e a do bebê. É desconhecido da maioria da população o
pré-natal psicológico e essa é uma categoria de atendimento que auxilia a
qualidade de vida de mães e filhos.
Já a depressão pós parto é um quadro bastante confundido com
o baby blues. Baby blues é um quadro que acomete cerca de 80% das puérperas e
os sintomas são: choro, tristeza, oscilação de humor, medo, raiva. É muito
comum, mas bastante assustador porque é pouco falado. As mães tem vergonha de
admitir o baby blues por conta daquela imagem sacro santa que já comentamos.
De 15 a 20% das puérperas apresentam sintomas de depressão e
o psicólogo que atua na área da perinatalidade utiliza instrumentos de triagem
para avaliar esses sintomas. A depressão pós-parto é mais comum em mulheres que
já tiveram episódios de depressão em outro período da vida, mas isso não quer
dizer que quem nunca teve depressão não possa desenvolver a depressão
pós-parto.
O psicólogo perinatal é o profissional que irá avaliar a
saúde mental das gestantes, realizando triagem e identificando aquelas que
apresentam maiores riscos de adoecimento mental e para essas oferecer
atendimento clínico que pode ser de acolhimento, de orientação e até mesmo psicoterápico.
PC – Você é uma defensora da educação positiva. O que é afinal a disciplina positiva e o impacto dela na vida das famílias?
Sou defensora, praticante e educadora parental pelo Positive
Institute Association. A Disciplina Positiva é uma abordagem que busca propor
uma filosofia que nos auxilia a fugir da permissividade e do autoritarismo, que
são dois extremos na educação. Costumo chamar de disciplina do caminho do meio.
É baseada no trabalho dos psicólogos Alfred Adler e Rudolf Dreikurs que tem
como objetivo encorajar crianças e adolescentes a tornarem-se responsáveis,
respeitosos, amorosos, resilientes, ricos em habilidades sociais e com recursos
para solucionarem problemas por toda a vida.
Baseia-se no conceito de que disciplina pode ser ensinada
com firmeza e gentileza ao mesmo tempo, sem punição, castigo ou recompensa.
Esta filosofia apresenta o caminho do meio entre o autoritarismo e a
permissividade, resultando em mais de 50 ferramentas para ajudar os adultos a
desenvolverem as habilidades que tanto queremos para as nossas crianças.
A consequência de praticar disciplina positiva é uma melhor
convivência entre pais, filhos e irmãos, crianças que aprendem através do
convívio em casa a serem tudo aquilo que citamos acima: responsáveis, respeitosos,
amorosos, resilientes, ricos em habilidades sociais e com recursos para
solucionarem problemas por toda a vida.
PC - A questão do limite hoje em dia também é muito discutida. Enquanto alguns especialistas defendem a necessidade de se estabelecer limites para crianças, outros dizem que isso pode, de algum forma, afetar o senso crítico ou a autonomia das crianças. De que forma você vê essa questão?
Eu não gosto muito do termo limite,
porque crianças limitadas tem a tendência de se tornarem adultos limitados.
Tudo aquilo que a gente admira e acha bacana em adulto - como coragem, audácia,
determinação - a gente reprime nas crianças. Por exemplo, dizer que “uma
criança audaciosa não é bom”, “uma criança corajosa não é bom”. A palavra limite
me remete muito a essa questão de podar a criança, dela ficar limitada. A gente
usa muitos “nãos”, quando o não deveria ser usado como uma carta na manga, em
momentos específicos.
E é isso que a disciplina positiva
prega. É por isso que não usamos castigos, nem recompensas; usamos sim o diálogo
e muitas outras ferramentas como conexão, empatia, validação dos sentimentos,
treino diário, etc.
Pois para que a criança se desenvolva
e tenha autonomia, não pode ser uma coisa que ela vai fazer por medo de apanhar
ou porque ela vai ganhar um chocolate depois, isso não é ser autônomo, isso é
sim podar a criatividade dela.
As crianças também gostam de
respeito, e elas precisam aprender a respeitar os pais sendo respeitados
inclusive.
As vezes os filhos são classificados como mal-educados, quando na verdade existe algo por trás que adulto precisa estar atento e disposto a ajudar a resolver (frustração, medo, etc.). Nós vamos ter uma sociedade muito melhor se agente educar melhor os nossos filhos, respeitando as necessidades deles também, além das nossas, é claro.
Página do Facebook - Psicomadre
Email: psicomadre@hotmail.com
Endereço: Rua Guaporé, 1881.
Telefone: (44) 99912-4320